11 de jul. de 2013

Salto quântico

Atlético 2 x 0 Newell's Old Boys

A fome de bola às vezes tem consequências nefastas para um jovem de 36 anos. A repetição de uma contusão no pé esquerdo na pelada da última segunda-feira fez com que eu, prudentemente, optasse por uma noite de quarta-feira mais amena jogando videogame e esperando pela partida do Galo, ao invés de desfilar meu futebol esforçado no campinho do Humaitá.

Desta maneira, às 22 horas, pontualmente, desliguei o console e enquanto sintonizava a tv, minha esposa gritou lá do quarto que o jogo já estava 1 x 0 para o Galo. Minha irmã havia mandado um SMS. Foi desta maneira que acabei descobrindo que a bola havia começado a rolar às 21:50.

Curiosamente, o gol relâmpago do Atlético ao invés de trazer a calma, resultou numa descarga cavalar de adrenalina que me deixou em um estado lastimável até o apito final. Nada mais imprevisível do que as emoções de um sujeito que se vê, de repente, invadido pela esperança da sobrevivência nos instantes finais.

Em campo o Galo corria, buscava corajosamente o segundo gol, mas esbarrava na defesa adversária ou pecava nas finalizações. A bola parada não estava funcionando e o adversário, conforme o esperado, mostrava que estava jogando por um gol e que, para nosso desespero, tinha qualidade para tal. Um pênalti não marcado em Jô no final da primeira etapa trouxe mais nervosismo e, de alguma maneira, mais pessimismo para o torcedor alvinegro.

O segundo tempo veio e começou mal para o Atlético. A equipe mantinha a posse de bola mas não conseguia criar chances de gol. O tempo passava e nada acontecia. Era, realmente, desesperador. O jogo prosseguia e quando íamos passando da metade da etapa as câmeras começaram a focalizar os torcedores: eram rostos desanimados, tensos, alguns rezavam e outros já choravam. "Parece que entregamos os pontos", penso.

E quando parecia que a apatia iria, realmente, dominar o estádio comecei a escutar um grito da torcida que eu não era capaz de reconhecer. Passo a prestar mais atenção e o decifro: "Eu acredito! Eu acredito! Eu acredito!", grita o Independência. "Eu acredito!" era o mantra que, naquele momento, o atleticano passava a gritar não apenas para o time em campo, mas para si mesmo. Uma tentativa de exorcizar os fantasmas de tantos anos de sofrimento, um grito para deixar o medo do fracasso de lado e mergulhar de cabeça na guerra que era aquela disputa pela vaga na final.


Cuca, o arquiteto do impossível roga por mais um milagre.

E foi no meio deste salto quântico que parte da iluminação do estádio se apagou. Obra do acaso? Uma forcinha da providência divina? Ou o último recurso de um clube que está reaprendendo a ser protagonista? Difícil saber. O fato é que enquanto eu divagava e a energia era restabelecida, Cuca reuniu a equipe e passou instruções. O jogo recomeçou e realizamos as duas últimas alterações: saíram Bernard e Tardelli e entraram Alecsandro e Guilherme. Ainda contaminado pelo espírito derrotista, devo confessar que cornetei horrivelmente e, pior: o registrei por escrito em uma série de mensagens trocadas com os amigos atleticanos.

Milagrosamente, o futebol do Atlético voltou junto com a luz e os reflexos da mudança de postura podiam ser vistos nas expressões do tipo "agora a cuíca vai roncar" estampada na face dos jogadores do Newell's. A poucos minutos do fim, vem um bate rebate na área e, na sobra, Guilherme acerta um petardo de direita. A bola viaja em meio a uma floresta de pernas e morre no canto esquerdo do goleiro argentino, causando uma explosão na sala de um apartamento localizado a mais de 400 km de distância do Horto.

Ainda vibrando penso nos pênaltis e a sanidade e o controle das emoções não custam a voltar. Sou capaz de afirmar que, quando o juiz apitou o final da partida, qualquer atleticano frequentador de estádios nos últimos 40 anos pensou na decisão do brasileiro de 1977. Não tenho dúvidas de que o calvário atleticano começou naquela noite maldita em março de 78 e, desta maneira, quando o Richarlyson isolou o segundo pênalti por cima do travessão, eu vi o Toninho Cerezo e a comemoração do Waldyr Peres na minha televisão. Para completar, algum espírito de porco gritou um "chora galo" e piorou o meu estado de nervos.

O quarto jogador do Newell's a cobrar era Cruzado. O camisa 10 - o quarto canhoto a bater em sequência - correu, bateu e fez como os outros três: isolou a bola. Depois disso, só restavam os dois craques: Ronaldo e Maxi Rodriguez. O capitão atleticano bateu com categoria e nos colocou na frente novamente. O atacante argentino não teve a mesma competência e Victor, mais uma vez, defendeu espetacularmente um pênalti e nos colocou na final da Copa Libertadores pela primeira vez.

Lamentavelmente, tive que sacudir a madrugada do Flamengo com os meus gritos, mas o "chora galo" havia ficado entalado na garganta. Ainda consegui falar com o meu irmão que estava aos prantos no estádio. Eu, que tinha que conter as minhas emoções dentro de casa, consegui ir para a cama apenas às duas da madrugada.

Realmente, não sei onde podemos chegar. Devo confessar que o pênalti defendido por Victor contra o Tijuana havia me deixado em um estado semi-letárgico, um tanto convencido de que aquele lance havia sido, possivelmente, um paliativo para um doente terminal. Nosso futebol não me convencia e o nosso passado de, alguma maneira, nos condenava. O jogo de ida em Rosário, reforçou esta sensação, mas a vitória de ontem, com todo o seu drama, me deixou com a esperança de que aquele pé esquerdo isolando a bola chutada por Riascos aos 47 do segundo tempo, pode ter sido sim sorte de campeão.

2 comentários:

Unknown disse...

É amigão! Estamos há dois jogos do título da Libertadores e no final do ano podemos conquistar o mundo. Quem em sã consciência pensaria isso, com o histórico de desgraças igual o nosso. Um ano e meio atrás tomamos um goleada humilhante para o maior rival. Estamos dando um "olé" na história. E depois das quartas e semi finais de matar do coração, os deuses da bola tem que nos abençoar com o título. O video abaixo resume a demência por essa religião chamada Atlético: http://www.dibico.com.br/atleticano-comemora-classificacao-de-cueca-em-rua-dos-estados-unidos

LF disse...

Rapaz, eu vi esse vídeo. A quinta-feira depois da grande final será feriado no Rio. Minha mãe estará aqui, então devo ficar pelas terras cariocas, mas vai ser difícil aguentar... Abraços!