Ainda na tarde de ontem eu conversava com um amigo sobre as dificuldades que eu previa para a partida contra o Tijuana. "Nada mais difícil do que um jogo ganho", afirmei e ele, já tendo vivido poucas e boas com o seu Internacional, concordou. Não bastasse o otimismo exacerbado da imprensa, que não considerava a equipe de Turco Mohamed um adversário a altura do Galo, a torcida, não satisfeita com a mística do Independência, resolveu aumentar a pressão do caldeirão com máscaras e mosaicos - o tipo de presepada que abomino.
Para piorar, no início da transmissão vejo aparecer um torcedor usando um sombreiro e fazendo "4 x 0" incessantemente com as mãos. Imediatamente me veio aquela imagem da torcida do Vitória com fantasias e frangos de borracha se exibindo para a tv antes de levar estrondosos 3 x 0 em pleno Barradão pela semifinal do brasileiro de 99. "Isso não vai acabar bem", pensei.
E o jogo começou muito mal para o Atlético: os Xolos marcaram a nossa jogada de saída de bola e quase anotaram o primeiro tento aos 16 segundos. Logo depois o Tijuana teve um gol bem anulado e, não demorou, abriu o placar em um lindo chute de Riascos. O Galo pareceu reagir e ensaiou uma pressão. O jogo, entretanto, teimava em não fluir - e desta vez não teríamos a grama sintética e a longa viagem como desculpas para a má atuação.
No fim do primeiro tempo, Ronaldo cobrou uma falta e Réver, sozinho, completou para o fundo do barbante deixando tudo empatado e nos devolvendo a vaga para a semifinal. "O time tá muito mal e não dá para confiar em apenas se defender quando um gol pode te custar a classificação. Se o Riascos tivesse marcado aos 40 do segundo tempo, estaríamos liquidados!", falei para a minha esposa. Ela, cansada de luta, resolveu ir se deitar.
O segundo tempo começou e as nossas esperanças de que o Cuca resolveria tudo nos vestiários começaram a se desfazer. Um Tijuana tranquilo em campo criava oportunidades contra um Atlético nervoso e desarticulado que não conseguia encaixar um contra-ataque sequer. Na sala, apenas com a companhia das memórias de 35 anos torcendo pelo Galo, a certeza de que o caldo iria entornar no fim só aumentava. Aos 44 minutos Ronaldo conseguiu articular uma excelente jogada pelo meio e lançou Luan em profundidade, o garoto invadiu a área e chutou em cima do goleiro. A angústia aumentou.
Aos 46 o Atlético ainda detinha a posse de bola, tocando de pé em pé na intermediária adversária. Inesperadamente, Tardelli resolveu virar o jogo e lançou Luan que buscou uma tabela com Alecssandro. O lance deu errado, o volante mexicano recuperou a bola e recuou para um companheiro que deu um chute para a frente buscando o centroavante grandalhão que acabara de entrar. O gigante, tal como Jô na jogada mais manjada do Atlético, ganhou de Réver pelo alto e a bola foi em direção à grande área. Leonardo Silva perdeu na corrida para Marquez e o chutou junto com a bola, cometendo a penalidade máxima e determinando aquele que seria o último lance da partida.
Victor efetuando o maior milagre da história recente atleticana
Naquele momento, sentado sozinho no sofá da sala, vivendo o auge da minha irritação com a apatia e o despreparo psicológico do time, comecei a pensar em como o futebol era previsível e em como eu estava certo em acreditar naquele gol contra a gente no fim. Riascos, o nosso carrasco, pegou a bola e botou na marca da cal. Victor, com toda a sua seriedade, aguardava sobre a linha do gol. O colombiano correu, bateu e Victor, milagrosamente, mandou a bola para a linha lateral com a sua perna esquerda. Não corri, não pulei e nem gritei - só ouvia o desgraçado que narrava o jogo pela Sportv dizendo que o juiz havia mandado a cobrança voltar. "Não pode ser verdade, não pode ser verdade". E era verdade: havíamos conseguido a classificação para as semifinais na marra! No último lance!
Ainda fiquei cerca de uma hora ali na sala, sentado, refletindo sobre o que havia se passado. Tudo aquilo que temíamos havia acontecido: o bom jogo que vínhamos apresentando abalado pelo excesso de confiança, pela soberba, pela apatia e, em especial, por um adversário que mostrou muito empenho e muita dedicação e que rendeu mais do que a gente nas duas partidas. Um amigo escreveu que dado o clima de "já ganhou" que havia na cidade, o que vivemos ontem foi uma lição e tanto, foi pedagógico e mostrou que a Libertadores não era tão fácil como dava pinta de ser até então. Sou obrigado a concordar com ele. Teremos 33 dias para refletirmos sobre o que houve e recuperarmos o bom futebol para chegarmos com força total à Argentina.
Esta manhã o meu irmão, que esteve presente no estádio, mandou um email contando que o sujeito que estava ao lado dele desmaiou quando o Victor defendeu aquele penal e só voltou a si depois de 5 minutos. Acho, sinceramente, que eu ainda não acordei.