7 de nov. de 2013

"Bem vindos ao espetáculo"

Atlético 5 x 0 Náutico
Botafogo 1 x 0 Atlético

E o Atlético não deu a menor chance ao Náutico na noite do último sábado em Belo Horizonte. Sem nenhum remorso, aplicou sonoros 5 x 0 e devolveu o Timbu à Segunda Divisão do Brasileirão. Tudo bem que os pernambucanos não foram um adversário à altura, mas para quem conferiu in loco a pífia performance do Galo na semana anterior no Maracanã, a chuva de gols foi um colírio para os olhos.

Sim, contrariando o bom senso e a razão, acabei deixando o conforto do meu lar para ver o Galo enfrentar o Botafogo no ex-Maior do Mundo. Sendo assim, tomei o metrô e segui, junto com alguns amigos, até a estação Estácio onde mudamos de composição e rumamos a estação Maracanã. Da passarela da estação em diante fomos guiados por uma sucessão de funcionários do estádio que nos indicavam o caminho até as bilheterias e, de lá, até as roletas e depois às cadeiras.


O ingresso promocional ainda foi caro para o péssimo espetáculo.

À medida que subíamos a rampa de acesso ao setor designado para a torcida mineira, éramos saudados por mais funcionários com microfones e caixas de som:

- Bem vindos torcedores do Galo Mineiro! O Maracanã lhes deseja um excelente espetáculo!

Com a paciência já esgotada diante de tanta oferta de ajuda, comentei com meu amigo:

- Porra, Bernardo! Onde é que estes caras pensam que estamos? No circo do Marcos Frota? "Excelente espetáculo"!? Isso aqui é coisa séria, porra!

Mais adiante, um quiosque disponibilizava tinta preta e branca para pintar o rosto das crianças ou de quem mais assim o quisesse.

- Pronto, virou palhaçada mesmo -, pensei.

Quando finalmente chegamos às cadeiras, os times já estavam em campo e o "espetáculo" prestes a começar. A partida em si foi um show de horrores. Andando em campo, os jogadores do Galo pareciam estar apenas aguardando o término da partida para curtir a famosa noite carioca. O Botafogo, limitado, acabou encontrando um gol que lhe garantiu a vitória.

No meio da torcida atleticana, alheios aos maus tratos dispensados à pelota ao longo dos 90 minutos, alguns turistas orientais devidamente paramentados com a 10 do Ronaldinho Gaúcho, se fotografavam diante da verde pelúcia. Para completar o melancólico espetáculo, logo após o apito final, no meio dos cerca de 6 mil botafoguenses que foram ao estádio, surgiu um conjunto de letras onde se lia: "LIBERTADORES É OBRIGAÇÃO".


"Libertadores é obrigação"

- Olha lá, Bernardo - chamei a atenção do meu amigo apontando para a torcida adversária - não faz muito tempo a gente tava se prestando a esse papel aí. Que coisa, né!?

- É verdade... - suspirou o nobre atleticano, que não se furtou a registrar o momento em uma foto.

Há alguns meses escrevi sobre a infantilização dos estádios de futebol naquilo que acabei batizando de "era do mosaicos". Eu já havia visitado a "Arena Maracanã" durante a Copa das Confederações e já sabia, mais ou menos, o que me aguardava. Mas aquilo era um evento FIFA, com torcedores que se dispunham a comprar lembranças e tirar fotos com aquele mascote horrível. Estive também na "Arena Mineirão" para a final da Libertadores, mas o estado de nervos no qual adentrei o Gigante da Pampulha e a embriaguez nirvânica com a qual o deixei me impedem de tecer qualquer comentário crítico acerca das transformações pelas quais o estádio passou.

O fato é que, ingenuamente, acreditei que durante o Campeonato Brasileiro as coisas deveriam voltar a alguma coisa próxima do "normal". Infelizmente, ao que me parece, o processo de apropriação do futebol pela indústria do entretenimento é irreversível. Não sou daqueles que tem saudades do xixi no copo, da falta de um banheiro decente, da guerra nas roletas na hora de entrar ou da violência gratuita das arquibancadas. Acho uma maravilha poder ir de metrô ao Maracanã e conseguir chegar ao meu assento com os times já em campo e não 3 horas antes da peleja para evitar o tumulto da entrada. Conforto não é o problema.

O problema, de fato, é terem pasteurizado a experiência futebolística. Nós, mineiros, sabemos bem qual é a diferença entre um bom queijo canastra e essa massa amarela industrializada desprovida de sabor denominada "queijo minas padrão" vendida aqui no Rio de Janeiro. É mais ou menos por aí.

Esta semana, aliás, vi um documentário sobre a relação entre os uruguaios e a sua seleção de futebol que tratava muito da relação entre sofrimento e fanatismo que marca a trajetória dos nosso vizinhos do sul de 1950 para cá. Houve um momento em que os torcedores que chegavam para uma partida decisiva da Celeste eram entrevistadas na entrada do Estádio Centenário. Não era uma decisão de título, mas a vitória lhes asseguraria o direito de disputar a repescagem das eliminatórias da Copa 2014. Um senhor, com uma criança no colo, disse algo mais ou menos assim:

- Torcer pela Celeste não é uma diversão, mas sim uma tradição que é passada de pai para filho. É cultural. É parte do orgulho de ser uruguaio.

Sem dúvida nenhuma, a relação do atleticano (e talvez de grande parte dos torcedores brasileiros) com o seu clube do coração tem um aspecto cultural muito forte e, em particular, de expressão de sua identidade regional. Não tem nada a ver com sair de casa em busca de um grande espetáculo, de um entretenimento de primeira para preencher a sua tarde ociosa de domingo. Isso é produto da cabeça de quem planeja as coisas se baseando em projeções dos índices de audiência da televisão.

O mais deprimente nessa história toda é perceber que o Brasil, o país do futebol, dono de um estilo próprio de se jogar e de se torcer tenha optado por importar e implantar um modelo dito globalizado de gestão do esporte que resultou nisso aí. A gente tinha conhecimento e história para bolar algo melhor. Fico me perguntando se ainda tem volta, mas desconfio que não...

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